domingo, 31 de julho de 2011

;três semanas

                'E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente
                                                                              Uma vontade de se ver
                         E os dois se encontravam todo dia
                              E a vontade crescia, como tinha de ser...'


Nesses vinte dias acho que alguém, por um feliz engano, jogou-me em uma máquina do tempo qualquer, onde eu voltei para os meus 16 anos (só quem passou por ásperas e rudes mudanças pode entender) e deparei-me com as mesmas situações - talvez não tão belas, não tão inocentes, mas incrivelmente sensíveis. Por tantas vezes tivemos a mesma oportunidade na mão e desperdiçamos sem pensar no dia de amanhã. E o amanhã chegou, três anos passaram e cá estamos de novo; no eterno retorno. Queria poder te dizer as coisas sem rodeios, como uma forma de afirmar meus pensamentos sobre você, mas não creio que seja necessário depois de tantas conversas na madrugada - aquelas em que eu sabia o quanto estavas morrendo de sono só de notar os olhos vermelhos. Essa é apenas uma demonstração, como você mesmo diz, talvez eu 'leve jeito' com as palavras, talvez eu não diga por medo, talvez eu me descontrole desnecessariamente na maioria das vezes; talvez você nunca entenda. 
Toda a distância, todo esse tempo ultrapassado e prejudicado pôde ser resgatado dentro de mim e em alguma parte você estava lá, quietinho, manso, como deveria estar. As lembranças nunca morreram, por mais que eu fugisse, lá estavam. Nunca esquecerei do bem que você me fa(e)z, de todos os sorrisos sinceros, todas as brigas, - aquelas em que eu queria morrer por não conseguir guardar uma gota de raiva de ti - todos os abraços eternos onde o tempo poderia parar. E parou. E acabou. Três semanas. Três palavras; você sabe, ninguém mais pode saber.

'...Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim. Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. . . E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim – para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura.'


Obrigada, eu te amo.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O dragão e a princesa.

“Os ossos e a carne – pensava – não bastam para formar um rosto, e é por isso que ele é infinitamente menos físico do que o corpo: é determinado pelo olhar, pelo ríctus da boca, pelas rugas, por todo esse conjunto de atributos sutis com que a alma se revela por meio da carne. Razão pela qual, no momento exato em que alguém morre, seu corpo se transforma abruptamente numa coisa diferente, tão diferente a ponto de se dizer “não parece a mesma pessoa”, apesar de ter os mesmos ossos e a mesma matéria de um segundo antes, um segundo antes do misterioso instante em que a alma se retira do corpo e este fica tão morto como uma casa da qual se retiram para sempre os seres que moram nela, e, sobretudo, que sofreram e se amaram nela. Pois não são as paredes, nem o telhado, nem o soalho que individualiza a casa, mas essas criaturas que lhe dão vida com suas conversas, seus risos, seus amores e ódios; criaturas que impregnam a casa de algo imaterial mas profundo, algo tão pouco material como o sorriso num rosto, embora se manifestando em objetos físicos como tapetes, as flores nos quartos, os discos e os livros, conquanto objetos materiais, são, porém (assim como os lábios e as sobrancelhas também pertencem à carne), manifestações da alma, já que a alma só pode se manifestar aos nossos olhos materiais por meio da matéria, o que constitui a sua precariedade mas também a sua curiosa sutileza.(...)"

-Ernesto Sabato;
"Sobre heróis e tumbas"