Outro dia do lado de lá
Dezessete, nove, pois...
Dezenove, três, pois...
Tá escutando? Tá
escutando?
Ando bêbado de
lucidez, impregnado de realidade.
“Mantenha o
controle!”- diziam-me.
Um cigarro, um trago,
um pega, um tiro, um pico.
Um pico de felicidade,
mais uma dose, por favor.
Não era esse o
problema.
O problema estava em
volta e não dentro de mim,
mas eles não ouviam,
não observavam.
Certamente era mais
fácil fechar os olhos.
Eu também gostaria de
ter fechado os meus,
mas a madrugada no
quarto falava mais alto,
e, junto dela, as
paredes e as camas chamavam-me.
“Vai ser melhor pra
você!”
Do lado de dentro éramos
zoológicos, zumbis e zuretas.
Neste depósito de
carne humana,
depositei todo meu
resto de lucidez.
Enquanto os homens de
branco
faziam daquele espaço
entre muros
seu teatro
particular.
Éramos seus fantoches
preferidos.
“Mais um pouco de
sossega leão, senhor?”
Tá escutando? Tá
escutando?
Você tá me escutando?
O pátio ainda estava
sujo
infestado de tristeza
mundana,
tristeza humana e
dejetos.
Os gritos à noite
eram mais intensos.
Pior eram os gritos
da cabeça,
da minha própria
cabeça
encharcada de desejos
secretos.
Era o diabo, estava
eu no inferno,
no teatro dos
vampiros
e os sanguessugas não
éramos nós.
Invadiram-me com
ondas na cabeça,
no cérebro fui
sentenciado.
Em uma dessas
descargas de energia
lembrei-me de minha
criança,
do seus olhos que
vagavam
e hoje não sei por
onde vagam mais.
Aqui os dias passam.
Até quando passarão,
não sei.
Acho que não me
importa.
sucumbi a tudo que
ouvi,
Sucumbi às pílulas,
ao prontuário
e aos homens de
branco.
À infinidade de
verdades
que me fizeram
acreditar.
Já não me importa
mais.
Tá escutando? Tá
escutando?
Você tá me escutando?
Você deseja me escutar?
Dedicado àquele que joga a pedra e esconde à
mão.
J. Gottschalk
Para a disciplina "O campo da atenção psicossocial"