quarta-feira, 26 de junho de 2013

mais um.

era esse o gosto da morte. não sentia na pele, mas sentia na boca, no estômago, nas entranhas. nas entranhas dele que estavam pela rua e agora estão dentro dela. nas entranhas das pessoas que passavam, olhavam e nada faziam. nas entranhas dos carros que o golpeavam outra vez. nas minhas veias. a morte tinha aquele gosto acre para quem vê. aquele gosto que ocupava todo espaço do seu corpo e nada mais pode ser ingerido.a morte trazia aquela sensação de culpa e alívio inconsciente, ''pelo menos não sou eu'' -  mas poderia ter sido. a morte poderia ser aquela vontade que dá às cinco da tarde de comer pão com manteiga, mas está chovendo muito para sair à padaria. não era assim tão simples. agora não havia mais espaço para explicações. era mais um sob a terra ou em qualquer outro lugar que o tenham levado. os carinhos que recebeu, as moléstias que aguentou, as brincadeiras que fez e todo o caminho que percorreu...morreram junto com ele e com o carro que um pedaço seu levou.


a alguns lhes restam a terra, quem sabe o mar? um rio...alguns trocam dinheiro por um mármore - mais limpo que muitas casas - para morrer, mas não a ele...a ele restava um saco plástico de lixo. e a ela...aquele terrível gosto acre que sempre tem a morte alheia.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

quem?

Tinha medo de bruxas e, até hoje pensava que elas a perseguiam pela rua. Até hoje olhava para as janelas com receio. Hospedava demônios que nunca pagaram para estar ali. Queria ser a tigresa, a camaleoa, a Tangerine, a Rosa e a Maria de alguém. Cantava no chuveiro porque sabia que cantava muito mal. Depois de um tempo, ampliou seu palco para a praia. Ao contrário do que pensavam, não tinha tanta confiança em si, mas, por alguma razão, refletia isso. Precisava de música boa para escrever, se não, não saía. Perdia mais tempo escolhendo as músicas do que escrevendo. Sabia ser a pior pessoa do mundo. E a melhor também. Levou trezentos e quarenta e sete tombos até agora – aprendeu com poucos. Continua caindo por aí. Às vezes flutua também. Às vezes não enxerga o que está na sua frente. Outras enxerga o que não há. Carregava toda a culpa do mundo nas suas costas, nos ombros e, principalmente na cabeça. As pessoas passavam fome por sua culpa, árvores morriam porque ela não fazia nada para deter e os cachorros... Os cachorros ocupam uma parte muito grande em toda essa culpa. Os cachorros não poderiam mais morrer, mas nem sempre ela está por perto. Custava escrever com barulho de britadeira. Ou de caixa d’água. Ou era a música ou a britadeira. Tinha uma certeza que carregava sempre: as pessoas nunca querem estar onde estão. Tinha mania de querer decorar as frases dos livros que gostava. Quase nunca conseguia. Sentia inveja de quem citava seus autores favoritos. Agora cantava no meio da rua e não tinha mais vergonha. Agora não sabe mais andar de bicicleta. Agora não faz mais jornais com recortes de revistas. Nem cozinha massa de farinha com água. Tem dias que finge não ver as pessoas porque não quer conversar. Tem dias que senta sozinha porque quer que alguém sente-se com ela. Sabia que deixava muitas coisas para amanhã. Mas, quando despertava com uma ideia, não ia dormir sem concretizá-la. Não podia tolerar a intolerância. Compreendeu que muitas vezes se machucou por não fazer o que realmente gostaria. Muitas noites vai dormir arrependida. Lê cinco livros ao mesmo tempo e consegue terminar um. Tinha uma memória que às vezes doía – de tão presente que era – para cheiros. Disse sim querendo dizer não. Disse não querendo dizer sim. Apanhou e bateu. Deu a outra face, e a mão, e as pernas e o corpo...seu corpo era um templo de vivências que não sabia ao certo se era de um conto de fadas ou sexta-feira 13. Mas disso não se arrepende. Mentiu tantas vezes que já perdeu a conta. E quando dizia a verdade pensava que talvez seria melhor ter mentido. Achava que a mentira alegrava as pessoas e por isso fazia. Não era inocente. Via segundas intenções em quase tudo. Sentia muita dor nas costas...podia ser o peso do mundo outra vez. Precisava do mar. Precisava fazer amor com o Sol outra vez. Tinha dias que parava por muito tempo em frente ao espelho pensando o que poderia ser melhor em seu corpo. Outros, se achava bonita exatamente como era. Nunca soube a resposta para: ‘qual é o seu sonho?’ nem ao menos sabia se tinha um. Achava que não. O melhor momento do dia é o entardecer. Sentia uma esperança que renovava ao entardecer. Não sabia se explicar, assim como não sabia dizer qual era seu sonho. Já quis ser jornalista e detetive. Já quis viver de poesia. Pensava em salvar o mundo, mas não queria ser super-herói. Ria sozinha a primeira vez que deu o ‘beijo do Homem-Aranha’. E o primeiro beijo na chuva também. Sentia que abrigava muito amor dentro dela. Sentia que queria mais. Que não podia ter raízes. Sentia que não sabia mais...
Ainda hospeda demônios, quer ser a Tangerine de alguém, tem medo de bruxas, mas não vergonha de cantar.