era esse o gosto da morte. não sentia na pele, mas sentia na boca, no estômago, nas entranhas. nas entranhas dele que estavam pela rua e agora estão dentro dela. nas entranhas das pessoas que passavam, olhavam e nada faziam. nas entranhas dos carros que o golpeavam outra vez. nas minhas veias. a morte tinha aquele gosto acre para quem vê. aquele gosto que ocupava todo espaço do seu corpo e nada mais pode ser ingerido.a morte trazia aquela sensação de culpa e alívio inconsciente, ''pelo menos não sou eu'' - mas poderia ter sido. a morte poderia ser aquela vontade que dá às cinco da tarde de comer pão com manteiga, mas está chovendo muito para sair à padaria. não era assim tão simples. agora não havia mais espaço para explicações. era mais um sob a terra ou em qualquer outro lugar que o tenham levado. os carinhos que recebeu, as moléstias que aguentou, as brincadeiras que fez e todo o caminho que percorreu...morreram junto com ele e com o carro que um pedaço seu levou.
a alguns lhes restam a terra, quem sabe o mar? um rio...alguns trocam dinheiro por um mármore - mais limpo que muitas casas - para morrer, mas não a ele...a ele restava um saco plástico de lixo. e a ela...aquele terrível gosto acre que sempre tem a morte alheia.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
quarta-feira, 12 de junho de 2013
quem?
Tinha medo de
bruxas e, até hoje pensava que elas a perseguiam pela rua. Até hoje olhava para
as janelas com receio. Hospedava demônios que nunca pagaram para estar ali.
Queria ser a tigresa, a camaleoa, a Tangerine, a Rosa e a Maria de alguém.
Cantava no chuveiro porque sabia que cantava muito mal. Depois de um tempo,
ampliou seu palco para a praia. Ao contrário do que pensavam, não tinha tanta
confiança em si, mas, por alguma razão, refletia isso. Precisava de música boa
para escrever, se não, não saía. Perdia mais tempo escolhendo as músicas do que
escrevendo. Sabia ser a pior pessoa do mundo. E a melhor também. Levou
trezentos e quarenta e sete tombos até agora – aprendeu com poucos. Continua
caindo por aí. Às vezes flutua também. Às vezes não enxerga o que está na sua
frente. Outras enxerga o que não há. Carregava toda a culpa do mundo nas suas
costas, nos ombros e, principalmente na cabeça. As pessoas passavam fome por
sua culpa, árvores morriam porque ela não fazia nada para deter e os
cachorros... Os cachorros ocupam uma parte muito grande em toda essa culpa. Os
cachorros não poderiam mais morrer, mas nem sempre ela está por perto. Custava
escrever com barulho de britadeira. Ou de caixa d’água. Ou era a música ou a
britadeira. Tinha uma certeza que carregava sempre: as pessoas nunca querem
estar onde estão. Tinha mania de querer decorar as frases dos livros que
gostava. Quase nunca conseguia. Sentia inveja de quem citava seus autores
favoritos. Agora cantava no meio da rua e não tinha mais vergonha. Agora não
sabe mais andar de bicicleta. Agora não faz mais jornais com recortes de
revistas. Nem cozinha massa de farinha com água. Tem dias que finge não ver as
pessoas porque não quer conversar. Tem dias que senta sozinha porque quer que
alguém sente-se com ela. Sabia que deixava muitas coisas para amanhã. Mas,
quando despertava com uma ideia, não ia dormir sem concretizá-la. Não podia
tolerar a intolerância. Compreendeu que muitas vezes se machucou por não fazer o
que realmente gostaria. Muitas noites vai dormir arrependida. Lê cinco livros ao mesmo tempo e consegue terminar um. Tinha uma memória que às vezes doía – de
tão presente que era – para cheiros. Disse sim querendo dizer não. Disse não
querendo dizer sim. Apanhou e bateu. Deu a outra face, e a mão, e as pernas e o
corpo...seu corpo era um templo de vivências que não sabia ao certo se era de
um conto de fadas ou sexta-feira 13. Mas disso não se arrepende. Mentiu tantas
vezes que já perdeu a conta. E quando dizia a verdade pensava que talvez seria
melhor ter mentido. Achava que a mentira alegrava as pessoas e por isso fazia.
Não era inocente. Via segundas intenções em quase tudo. Sentia muita dor nas
costas...podia ser o peso do mundo outra vez. Precisava do mar. Precisava fazer
amor com o Sol outra vez. Tinha dias que parava por muito tempo em frente ao
espelho pensando o que poderia ser melhor em seu corpo. Outros, se achava
bonita exatamente como era. Nunca soube a resposta para: ‘qual é o seu sonho?’
nem ao menos sabia se tinha um. Achava que não. O melhor momento do dia é o
entardecer. Sentia uma esperança que renovava ao entardecer. Não sabia se
explicar, assim como não sabia dizer qual era seu sonho. Já quis ser jornalista
e detetive. Já quis viver de poesia. Pensava em salvar o mundo, mas não queria
ser super-herói. Ria sozinha a primeira vez que deu o ‘beijo do Homem-Aranha’.
E o primeiro beijo na chuva também. Sentia que abrigava muito amor dentro dela.
Sentia que queria mais. Que não podia ter raízes. Sentia que não sabia mais...
Ainda hospeda demônios, quer ser a Tangerine de alguém, tem medo de bruxas, mas não vergonha de cantar.
Ainda hospeda demônios, quer ser a Tangerine de alguém, tem medo de bruxas, mas não vergonha de cantar.
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